Atingir o grande público jamais significou ou significará colocar a banalidade, o fútil, o apelativo, o grotesco, o sensacionalismo no ar. Esse tiro, mais cedo ou mais tarde sairá pela culatra numa implosão de consequências irreversíveis, fazendo com que o público, saturado de tantos trambiques, opte por mídias alternativas, como a internet em suas redes sociais e os canais streaming de filmes, o que já vem acontecendo em escala significativa, senão massacrante. (Marcos Resende)
Entrevista por Elmo Francfort
O escritor e profissional de Televisão Elmo Francfort inaugura uma nova área no site ElmoBlog, voltada a entrevistas com profissionais de televisão e personagens relacionados ao meio de comunicação. Nesta primeira entrevista, conheça mais sobre o autor e diretor de conteúdo de programas de Televisão, Marcos Resende. Hoje, na Rede Globo, já passou por muitas emissoras, em seus 55 anos de carreira.
Rio de Janeiro, 24 de janeiro de 2014.
ELMO FRANCFORT
Marcos, qual foi seu primeiro trabalho em televisão? Já foi como autor? Quando foi?
MARCOS RESENDE
Estava ansioso por fazer isso há muito tempo, praticamente "morava" no Teatro de Arena, em São Paulo, na rua da Consolação. Convivia diariamente com Gianfrancesco Guarnieri, Miriam Muniz, Lima Duarte, Augusto Boal, Fauzi Arap, Dina Sfat, David José, Antônio Fagundes, Aracy Balabanian, Carlos Augusto Strazzer, Maestro Carlos Castilho, a turma toda (que é enorme). Estava fascinado pelo teatro.
A Turma do Teatrão estreou em Varginha e rodou o sul de Minas inteiro, com uma releitura de espetáculos que faziam sucesso no Tuca, no Arena ou peças e musicais de nossa autoria, seguindo a linha "Teatro Pobre", do diretor polonês Jerzy Grotowski. Para essa mirabolante aventura convoquei amigos talentosíssimos: Célio Segundo Salles, Michel Pedro Filho, Mauro Teixeira, Lúcia Helena de Assis Paiva, Márcia Marília, Getúlio Motta Neto, Estefânia Salles, Eny Pereira. Carecíamos dos mínimos recursos financeiros e logísticos, como sói acontecer com principiantes que se deixam engambelar por esse canto de sereia.
Bem, para encurtar a história, a companhia teatral foi feliz, mas, 3 anos depois, eu estava de volta à faculdade, com uma baita nostalgia dos palcos. Para saciar essa fissura, comecei a participar de shows na Faculdade de Comunicação Social Anhembi, produzidos pelo então colega Osmar Mendes Júnior, o excelente jornalista que todos conhecemos. Nosso grupo, Jean Garfunkel, Paulo Zamikhowsky e eu apresentávamos canções compostas pelos três, e eu dizia poemas e monólogos. Muita gente teve seu começo ali, nas produções do Osmar: Carlinhos Vergueiro, Roberto Riberti, Dega Calazans, Paschoal Lombardi e outros que não seguiriam a carreira. Esses shows lotavam as salas de aulas nas tardes de sábado e aí é que começa minha história na televisão, Elmo.
O diretor Eduardo Moreira, da TV Cultura, teve a ideia supimpa de criar o programa Gente Jovem, em que só podia entrar quem estava no começo do começo do começo; e era apresentado pelo experiente Fausto Canova, uma celebridade do rádio brasileiro, e por uma bela morena, Ângela Rodrigues Alves (bisneta do presidente Rodrigues Alves), que na época tinha 18 anos e hoje é dona de uma grande produtora. O programa estreou em 1973, durou quase 10 anos - e minha função era justamente dizer poemas e monólogos, como fazia nos shows, e trazer jovens poetas, um por semana.
Paralelamente, recebi da TV Tupi, através do então Diretor da Divisão de Shows, Solano Ribeiro e por sugestão do amigo Sílvio Brito, convite para escrever o programa musical jovem Hallellujah (74), apresentado por ele e pelo Fábio Jr.. No ano seguinte, o diretor José Luís de Diego me levou para produzir e escrever um programa diário, "Mural", com a Ana Maria Braga (1976). E daí pra frente, não parei mais.
ELMO FRANCFORT
O que é essencial para escrever um bom roteiro?
MARCOS RESENDE
Um outro procedimento que adoto sempre que posso é deixar o script "descansando" de um dia para o outro... No dia seguinte, já vejo o texto com outra cara; cara que precisa ser aprimorada. Funciona, sempre funcionou. (Faço isso quando posso, eu disse, porque a televisão é implacavelmente imediatista.)
Complementando: para se construir um bom script é essencial você saber tudo MESMO sobre o que está escrevendo. Escrever é fácil, o difícil é saber o QUE escrever - e sobretudo não passar informação errada ou pela metade, em hipótese alguma.
ELMO FRANCFORT
Gostaria de que você lembrasse trabalhos inesquecíveis. Qual significou mais na sua vida?
MARCOS RESENDE
Escrevi até um jogo de futebol, acredite você. Já viu uma partida de futebol com script? Pois, existiu (riso). A TV Tupi, nos anos 70, resolveu fazer no estádio do Pacaembu, o Futebol dos Artistas. E não me perguntem como, mas, o evento seguiu um script, como um programa de televisão. Eu me lembro que Eva Wilma, devidamente vestida com o hábito de freira da novela O Direito de Nascer, deu o pontapé inicial. O "portentoso prélio" foi narrado pelo Walter Abrahão e comentado pelo Moacyr Franco. Houve coisas assim: o altofalante do Pacaembu anuncia que há um telefonema para a atriz Etty Frazer, que jogava de ponta direita. O juiz paralisa a partida. Etty, toda preocupada, sai correndo em direção à cabine de locução. O altofalante prossegue: "o telefonema é de sua empregada que quer saber o que fazer para o jantar". Risada geral! O jogo inteiro foi uma "palhaçada" divertidíssima, uma brincadeira inesquecível e o telefonema da empregada nunca existiu, é claro. Mas, respondendo ao que você perguntou, muitos programas que escrevi marcaram minha vida: Gente Inocente, Clube dos Artistas, Almoço com as Estrelas, Grande Parada, Programa Mino Carta; Especiais internacionais com Burt Bacharach, Dave Brubeck, Dione Warwick, Amália Rodrigues, Nico Fidenco, Gloria Gaynor, Charles Aznavour, James Brown, João Gilberto, Roberto Yanez, Ornella Vanoni, apenas para citar alguns - tudo isso na TV Tupi, com direção de Paulo Roberto Bastos, Fernando D'Ávila, Américo Bittar, Sérgio Galvão e Felisberto Duarte (o Feliz). Fui o primeiro diretor e autor brasileiro a fazer um especial com Julio Iglesias (anos 70).
No SBT, escrevi Hebe; Silvio Santos; Você Faz o Show, com Murillo Néri e Lolita Rodrigues; mas, sem a menor dúvida, o Programa Flavio Cavalcanti, sob a batuta segura do diretor Carlos Franco, foi o meu ponto alto. Não posso me esquecer, todavia, do prazer de ver e ouvir Sérgio Chapelin dizendo meu texto no Show Sem Limite, cujo carro-chefe era o quadro O Dia Em Que Você Nasceu, uma reconstituição, a mais completa possível, de tudo o que aconteceu no Brasil e no mundo, na data de nascimento de personalidades convidadas. O diretor, um dos melhores que conheci: Roberto Jorge (anos 80).
Na primorosa TV Manchete, emissora que não deveria ter acabado nunca (até para evitar o que veio depois), era muito bom escrever o Milk Shake, da Angélica, que na época consolidava-se como artista talentosa, inclusive como atriz. Criei personagens que ela fazia admiravelmente, como Dita Jiboia, Lilika Barraqueira, Joana Dark, Regininha Whitaker, Hebinha (imitação de Hebe Camargo); um textinho curto, cujo objetivo era abrir seções musicais dentro do programa para números de rock, samba, música sertaneja, etc..
Na Globo, aonde estou de volta, criei Bambuluá, em parceria com a autora Claudia Souto, sob a direção como sempre brilhante do Roberto Talma (anos 90); mas, o que mais curti criar e escrever foram 100 clipes para o quadro 100 Anos de Música, exibidos no Fantástico, no ano 2000. O grande vencedor, A Música do Século foi o samba-exaltação "Aquarela do Brasil", de Ary Barroso. O programa foi dirigido pelo Pedro Vasconcellos e teve a supervisão do Talma.
Na Band, uma das minhas mais recentes missões, confiadas pelo ótimo diretor Hélio Vargas, foi a de responder pelo texto final de Uma Escolinha Muito Louca, com Sidney Magal, Ricardo Côrte Real, Orival Pessini e um elenco adorável, com muita gente nova. Foram quase 300 programas, que me trouxeram um imenso prazer, com texto dos conhecidos autores Sérgio Valezin, Papa Camargo, Magalhães Jr., José Sampaio, Orival Pessini, Adib Salomão, Paulo Fernando Mello, Claudio Longo, Rafael De Pieri; produção de Delvair Thomazelli e Rosângela Mello e direção de Valdemyr Fernandes, posteriormente, Jacques Lagoa; todos eles, uns craques (2008-2010).
Haveria e há muito mais o que dizer, Elmo - eu gosto de quase tudo o que realizei -, mas, não se trata de uma autobiografia. Quem sabe, um dia, eu consiga "engatar a primeira" e publicar a história inteira. Afinal, é muito bom haver escrito para Ayrton Rodrigues, Blota Júnior, Flavio Cavalcanti, Angélica, Hebe Camargo, Sílvio Santos, Xuxa, Ana Maria Braga, Cid Moreira, Fausto Silva, Walter Forster, Mino Carta, Marcos Durães, Goulart de Andrade, Paulo Autran, Marcelo Rezende, Sérgio Chapelin, Murillo Néri, Ana Paula Padrão, Almir Sater, John Herbert, Lolita Rodrigues, Britto Junior, Ana Hickmann, Hélio Souto, Dionísio Azevedo, Bianca Rinaldi, Beth Goulart, Sidney Magal e tantos e tantos outros. Para quem se interessar, aqui está meu Curriculum Relâmpago.
ELMO FRANCFORT
MARCOS RESENDE
ELMO FRANCFORT
O que mais mudou na TV, de quando você começou, para agora?
MARCOS RESENDE
Havia o prazer de se produzir QUALIDADE. A criatividade florescia num jorro que parecia infinito. Televisistas geniais como Fernando Faro, Goulart de Andrade, Álvaro de Moya, Silveira Sampaio, Walter Forster, Cassiano Gabus Mendes, Dermival Costa Lima, Manoel de Nóbrega, Walter Avancini, Abelardo Figueiredo, Tito de Miglio, Ivany Ribeiro, Edson Leite, Cyro del Nero, Solano Ribeiro, Dias Gomes, Eduardo Moreira, Túlio de Lemos, Geraldo Vietri, Manoel Carlos, Paulo Gracindo, Benjamin Cattan, Tatiana Belinky, Aurélio Campos, Mauricio Sherman, Rubens Furtado, Nilton Travesso, Fernando Barbosa Lima, Homero Silva, Ayrton Rodrigues, Roberto de Oliveira, Tuta, Lima Duarte, Heitor de Andrade, Raul Duarte, Bibi Ferreira, Augusto César Vannucci, Janete Clair, Roberto Talma, Carlos Manga, Daniel Filho, o extraordinário Boni e uma infinidade de atores e técnicos de altíssima percepção, de altíssima garra, criaram momentos de intensa riqueza para os privilegiados telespectadores de então.
Atores, jornalistas, apresentadores se expressavam com maestria, sem teleprompter, ao vivo e no improviso, quando necessário. Irrepreensíveis ao lidar com a língua portuguesa, dicção perfeita, entendia-se o que diziam. Os programas musicais possuíam orquestras, corpos de baile. Existiam cantores, músicos, maestros, naquele tempo. A música sinfônica encantava as manhãs de domingo. Ao vivo. O bom Teatro mundial, aqui adaptado para a TV, fazia rir e chorar, com atores e diretores de talento e cultura inequívocos. Ao vivo! Programas infanto-juvenis, como "A Estrela é o Limite" e "Sabatinas Maizena" eram instrutivos, inteligentes. A boa telenovela nasceu nessa época. Celebridades como Jean Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Ray Charles, Johnny Mathis, Liza Minelli passaram por nossos estúdios. Você me pergunta o que mudou... Preciso responder?
ELMO FRANCFORT
Gostaria de que você desse um conselho para quem quer seguir na área de televisão.
MARCOS RESENDE
Dica Nº 1: quer seguir na área de televisão? Serei repetitivo: "alfabetize-se". Leia muito, muito, muito. Cultive-se. Veja o bom cinema. Vá ao teatro. Se possível, viaje. Não perca o trem da História, informe-se, atualize-se. Acompanhe o que a televisão internacional séria está fazendo.
Não tente, como alguns, fazer televisão de "orelhada". Seja responsável, saiba o que está pondo no ar e por que está pondo. Tente ser original. A única maneira de desescravizar a televisão brasileira do servilismo aos formatos estrangeiros - e tirá-la deste poço fundo e escuro em que foi atirada pela ganância de alguns concessionários, que desonesta e impunemente usam a concessão pública para ganhar rios de dinheiro - é com conhecimento, cultura. Este raciocínio vale para todo mundo; autores, diretores, atores, figurinistas, cenógrafos, produtores, cabeleireiros, técnicos, administradores - e principalmente para aqueles que "comandam o navio", em português claro, os senhores donos, proprietários das emissoras, concessionários que são.
ELMO FRANCFORT
Seguindo a sua maneira de pensar, você vê possibilidade de a Televisão Brasileira ter um futuro um pouco mais promissor, viver melhores dias?
MARCOS RESENDE
Além do despreparo e da "orelhada", o que mais prejudica a qualidade dos programas, incluindo esporte e jornalismo, é a busca selvagem pela audiência, dispostos que estão aqueles que decidem, a pagar o preço que for para ganhar enganosos pontinhos na pesquisa; pontinhos esses que já estão - e cada vez mais estarão - custando-lhes muito caro: a perda da credibilidade, por exemplo.
Vejo a Televisão de hoje, como um grande "Pássaro Frankenstein". De um lado, ALTA TECNOLOGIA, do outro, a (MÁ) CRIAÇÃO DE PROGRAMAS. De um lado, a asa de uma águia, do outro, a asinha de um tico-tico. Se hoje, a alta tecnologia permite à Televisão voos nunca dantes sequer sonhados, todo esse padrão qualitativo é desperdiçado com o nível do conteúdo (exceções à parte). Aí, não há como decolar. De quem é a culpa?
Outro efeito desastroso, engendrado no gabinete de chefes e chefetes despreparados, são as demissões em massa. Erram no momento de decidir que produtos colocarão na grade; erram na escolha do horário de programação (erram, é claro, por absoluta inépcia, incompetência), o que resulta logicamente na baixa audiência, no desinteresse dos patrocinadores e na demissão de funcionários. São estes últimos que pagam o preço, os que são punidos e penalizados, enquanto que os verdadeiros vilões permanecem confortavelmente aboletados e seguros em suas luxuosas salas.
ELMO FRANCFORT
Que fórmula você sugere para atingir o grande público?
MARCOS RESENDE
Concluindo: insisto em bater na tecla de que o fato de ser a televisão um veículo de comunicação de massa não significa que deva ter um conteúdo de baixa qualidade, pelo contrário: televisão existe para divertir e instruir, ou instruir e divertir (como queiram). Vila Sésamo era um programa popularíssimo e de qualidade tão apurada, que nunca mais apareceu outro igual nem ao menos parecido. Insisto: quem faz qualidade é recompensado com boa audiência. O grande público, de A a Z, sabe reconhecer e prestigiar o que é bom, e é perigoso e leviano que se pense o contrário.
Na Itália, por exemplo, a ópera sempre foi uma diversão essencialmente popular. Na Grécia, na Inglaterra, na França, na Rússia (e em outras dezenas de países e culturas), o que se chama de Teatro Clássico era feito para o povo, que lotava arenas e teatros. Pois, bem: ainda que destinadas ao grande público, quem teria a coragem de negar a qualidade da obra de Verdi (1813-1901), Rossini (1792-1868), Puccini (1858-1924) ou da dramaturgia de Sófocles (497 a.C.) Molière (1622-1673), Shakespeare (1564-1616), Nikolai Gogol (1809-1852)?
Senhores, que tal começarmos a fazer televisão para o telespectador, antes que ele "mude de canal" definitivamente? Ainda está em tempo. Obrigado, Elmo.
ELMO FRANCFORT
Eu que agradeço!
Rio de Janeiro, 24 de janeiro de 2014
MARCOS RESENDE WIKIPÉDIA